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Conferência: Aspectos legais e morais da hipnose


Procedimento inicialmente místico, depois arte e ciência, a hipnose tem um longo patamar histórico. Necessitou de uma base científica para que se entendesse os fenômenos do transe. Com o Renascimento, que exigia explicações para todo o procedimento humano, tornava-se necessário transformar o misticismo em ciência – o magnetismo em hipnose. Teorias se sucederam desde Mésmer, o precursor da psicoterapia, até os dias de hoje para explicá-la à luz da lógica e da razão. Figuras de alta relevância passaram por estas teorias. Citemos por ora, Puysegür, Abade Faria, Lieubault e Bernheim, Braid, Pavlov e Freud, seguidos da Teoria Neurofisiológica e Anatômica que teve início com Magendi e Magoun, passando por David Akstein, Morais Passos e culminemos com a teoria de Paulo Mello da estimulação da região fronto-temporal pela pars anterior do giro cíngulo do Hemisfério Cerebral Direito e inibição do Esquerdo. Mais recentemente, novas teorias estão se impondo, em relação à susceptibilidade ao transe, como as de Rossi e as que associam o genoma explicado através da transmissão genética e do DNA.

 

Hoje, com a sua impressionante complexidade, de alta relevância, de nobreza inconfundível, é um recurso de aconselhamento, sugestão, exames e tratamento. Como arte deve ser admirada, aplicada e estudada e como ciência deve ser conscientemente praticada. Diagnósticos se fazem com o seu auxílio e ações curativas se desenvolvem quer na sugestão hipnótica, quer na pós-hipnótica, com a adição de efeitos continuados.

Para transformar-se de misticismo em arte, precisou se despir do empirismo e das atribuições divinas, para se transformar de arte em ciência, necessitou de uma explicação razoável, teórica e prática. Mas não passou da arte para a ciência de uma vez. Continua sendo arte em sua indução, manutenção e finalização e continua sendo ciência na sua explicação e no campo de sua aplicação.

Lembremo-nos que, qualquer seja a explicação da hipnose: pela teoria neurofisiológica, a partir de Magendy e Magoun, a mais recente, ou da sugestão, ou da dissociação de personalidade, do comportamento dirigido, da tensão emocional, da visualização cênica ou qualquer outra teoria que seja evocada, sempre há estímulos e reações deles dependentes na esfera psíquica, central, superior.

Não se trata aqui de fenômenos periféricos, locais. São gerais, partindo e chegando à parte mental. Fenômenos cerebrais. Neste sentido, evoluímos muito tanto na sua teoria como na prática em sua aplicação.

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Digo mais: A hipnose é uma técnica somato - psíquica abrangente. Como tal, engloba o corpo e a mente. Sendo arte e sendo ciência, é holística. Com as explicações científicas tratou-se do renascimento da medicina pelo espírito. Que continua. O caminho mal começou a ser percorrido, muito há ainda a percorrer. Segundo Black, não há ainda explicação cabal para os fenômenos da hipnose

Consideremos então que, como técnica de diagnóstico e terapêutica de ação clara e evidente sobre parte hierarquicamente elevada da personalidade, em relação ao ser humano, deve ser utilizada sempre em seu benefício, corrigindo suas distorções, suas mazelas e suas alterações físicas e mentais. Afinal, a mente é um fértil campo onde vicejam diuturnamente os conflitos do homem em relação ao meio ambiente, ao meio familiar e a si mesmo.

Harold Rosen, em 1953 relatou: “A hipnose não é nem um agente terapêutico, nem uma técnica terapêutica. Os pacientes com doenças orgânicas operáveis quando tratados cirurgicamente, são operados não pela anestesia, mas sob anestesia; e os pacientes com doenças emocionais, se hipnotizados, são tratados psicoterapicamente não pela hipnose, mas sob hipnose. Criou-se então um dogma que vem sendo repetido, de que a hipnose não é uma forma de psicoterapia, mas apenas um meio de facilitação da psicoterapia.

Fernando Bastos, por sua vez, diz que a hipnose não é uma técnica psicológica por si mesma, mas uma condição psicológica que consiste ao mesmo tempo em um estado e uma relação.

É correto que qualquer técnica psicoterápica pode ser aplicada sob hipnose. Isto exige da parte do profissional não só conhecimento da técnica hipnótica, mas também conhecimento e experiência no campo da psicoterapia. Então, o tratamento será feito mais sob hipnose do que pela hipnose.

Entretanto, existem técnicas que só são possíveis pela hipnose. Há certos fenômenos que só se obtém pela hipnose e o profissional que não estiver capacitado a fazer psicoterapia, não deve lançar mão da hipnose como um substituto de sua insuficiência de conhecimentos. Ela não supre essa insuficiência.

Os profissionais capacitados a fazer psicoterapia, terão na hipnose um auxiliar valioso. Os pacientes sob hipnose poderão ser tratados pelas técnicas usuais de psicoterapia com vantagem pelo emprego eventual de procedimentos que só podem ser obtidos pela hipnose.

Ora, diante disso, sendo assim a hipnose, pergunto: quem deve praticá-la?

Ocorre-me uma só resposta: o profissional da saúde, especialmente o médico, o psicólogo e o cirurgião dentista. São estes que têm o currículo completo das ciências ditas da saúde, do integrante somático e psíquico, com objetivo semiológico e curativo. Se alguém, não fazendo parte dessa área, não tendo capacidade profissional, ética e legal que o preceito exige para o seu exercício, se entregar a essa atividade realizando atos desses profissionais – como os da prática da hipnose – estará se entregando ou ao curandeirismo ou ao exercício ilegal da medicina. É clara a Lei Penal Brasileira vigente.

a) No artigo 284 o Código Penal registra: “Exercer o curandeirismo:

I – prescrevendo, ministrando ou aplicando, habitualmente, qualquer substância; II- usando gestos, palavras ou qualquer outro meio;

III – fazendo diagnósticos:

Pena- Detenção de seis meses a dois anos. Parágrafo Único – Se o crime é praticado mediante remuneração, o agente fica sujeito à multa de mil a cinco mil reais “.

A competência profissional não se adquire somente pela prática. Esta, para ser reconhecida e regular, precisa ser validada como decorrência natural à frequência completa a um curso superior. Os que não têm esse curso são curandeiros, embora saibam os que sabem os médicos, dentistas ou psicólogos e até mais do que eles. A lei não definiu o curandeirismo e nem precisa fazê-lo. O conceito é claro. Está no consenso geral. Curandeiro é curandeiro. Assim como sol é sol, praia é praia, mar é mar.

Quem a aplicar, sem a habilitação profissional que só o curso regular oferece, incide na sanção do artigo 282 em que se preceitua o crime de exercício ilegal da medicina.

E as espécies de curandeiros são várias na própria enumeração da lei, que é taxativa, abrangendo-as todas: prescrever, ministrar, aplicar remédios; usar gestos, palavras ou qualquer meio e fazer diagnósticos.

São vestes essas, sobretudo as da 2.ª e 3.ª alínea, que cobrem sob medida a prática da hipnose por leigos, se atingirem finalidades diagnósticas e terapêuticas: “usar gestos, palavras ou qualquer meio e fazer diagnósticos”. Isto é bastante claro.

b) No seu artigo 282, diz o Código Penal vigente:

“Exercer ainda que a título gratuito, a profissão de médico, dentista ou farmacêutico, sem autorização legal ou excedendo-lhe os limites: Pena, etc.” ...

A figura delituosa do artigo em apreço é a do exercício ilegal da profissão.

O exercício ilegal pressupõe a capacidade profissional que só o curso respectivo fornece e a legal a que os vários registros fixam. O médico, o cirurgião dentista e o farmacêutico – e só deles cogita o preceito penal – feito o curso universitário regular, adquirida a capacidade do currículo, mas só essa na respectiva escola, transformam essa capacidade profissional em legal, levando seus diplomas para as competentes anotações: no Ministério da Educação e no Conselho Regional da Categoria no Estado onde pretendam exercer a profissão (lei n.º 3268 de 30 de setembro de 1957).

Cada profissional tem seu âmbito de ação, o terreno de suas cogitações práticas, que as matérias do curso limitam de forma estanque, no sentido legal.

Dele não podem sair: o cirurgião dentista será apenas cirurgião dentista, o psicólogo somente psicólogo e o médico não passará de médico. Se este, por exemplo, porque entende de cirurgia dentária, não sendo cirurgião dentista, ou porque sabe muito de farmácia, malgrado não haja cursado a respectiva escola, quiser entrar nesses setores de atividades, violará o preceito penal. Diz-lhe este, e com razão, mais ou menos o que lembra conhecido e velho brocardo brasileiro: “em festa de macuco, nhambu não pia”.

. Daí decorre a conclusão clara, quanto ao hipnotismo, de que ele é privativo, como diagnóstico e terapêutica, dessa tríade de profissionais, pois a disciplina que se enquadra no currículo universitário “psicopatologia” é pertinente apenas a eles, aqui no Brasil. Não consta de qualquer outro com essa finalidade diagnóstica ou terapêutica.

Vejamos o que diz a lei federal básica, o Decreto n.º 19.851:

“A reorganização do ensino médico, instituída na presente reforma, tem o duplo objetivo de ministrar conhecimentos necessários ao exercício profissional eficiente e de permitir, a um tempo, especialização em diversos ramos da medicina aplicada e no domínio das ciências biológicas correlatas”.

Art. 212 – “O ensino da farmácia tem por fim ministrar conhecimentos necessários ao exercício legal e eficiente da profissão de farmacêutico”.

Art. 217 – “O ensino da odontologia tem por fim ministrar conhecimentos técnicos e científicos necessários ao exercício legal e eficiente da profissão de cirurgião dentista”.

A lei que rege o exercício das artes ditas sanitárias é o Decreto n.º 20.931 de 11 de janeiro de 1932. Ele limita a ação dos profissionais no terreno especificamente seu. A clareza do art. 2.º é ofuscante:

“Só é permitido o exercício das profissões enumeradas no art. 1.º em qualquer ponto do Território Nacional a quem se achar habilitado nelas de acordo com as Leis Federais e tiver título registrado na forma do art. 5.º deste decreto”.

E as profissões enumeradas no art. 1.º são: medicina, odontologia, medicina veterinária, farmácia, obstetrícia e enfermagem. Incluiu-se posteriormente a psicologia.

Depois de realçar o aspecto científico do problema surge o de ordem moral. Este pode ser resumido nas palavras do Papa Pio XII em seu discurso sobre “Aspectos Religiosos e Morais da Analgesia” proferido em Roma em 24 de fevereiro de 1957 e transcrito na Revista de Psicologia Normal e Patológica do Instituto de Psicologia da Universidade Católica de São Paulo:

“Mas a consciência de si pode ser alterada por meios artificiais. Obter esse resultado ou pela aplicação de narcóticos ou pela hipnose (que se pode chamar de um analgésico psíquico) não traz qualquer diferença sob o ponto de vista moral”.

Diante disso, pergunto agora: Se se trata de técnica de ordem central, com os percalços sômato - psíquicos e morais que todo tratamento e toda intervenção cruenta, medicamentosa ou sugestiva produzem no cérebro, é razoável legal e moralmente que pessoas estranhas às áreas da saúde envolvidas a pratiquem, assumindo a responsabilidade legal e moral que todo ato profissional envolve no terreno penal, civil e ético? Alguém que não seja anestesista, se proporia a fazer anestesia geral?

Não deve a hipnose ser praticada senão por profissionais da área da saúde, especializados em seu emprego, para ser utilizada como instrumento de tratamento, orientação ou melhoria da saúde dos nossos semelhantes. E como em certas aplicações psicoterápicas como a reversão de idade, a hipnoanálise, a mudança de personalidade, as alucinações, as depressões, o estresse, a ansiedade, os transtornos de personalidade, os hábitos indesejáveis, como permitir que seja utilizada por estranhos à área da saúde?

c) outra figura delituosa e de constante infração dos cânones éticos é a do charlatanismo. A hipnose é o campo ideal para isso. Quase que diariamente. Lutamos durante muito tempo para separá-la da exploração mística e continuamos lutando. Abramos então de vez as nossas trincheiras contra o charlatanismo.

O artigo 283 do Código Penal é rígido a respeito quando diz:

“Inculcar ou anunciar cura por meio secreto ou infalível: Pena – Detenção de 3 meses a um ano e multa de 1 a 5.000 reais”.

Basta que haja encenação e embuste na sua prática. E no aspecto moral podem agir charlatães conscientes e inconscientes, profissionais que não tenham noção segura da prática da hipnose e que assim mesmo se entreguem a ela, não importando as finalidades.

Ressalve-se aqui que certos atos médicos podem nos confundir com os charlatanescos. É o caso do emprego da hipnose como auxiliar na terapia clássica, não sendo a indução hipnótica propriamente usada como tratamento.

2) Um enfoque agora se torna necessário: As experiências “in anima nobile” tão comuns nos palcos de teatro e televisão.

Há experiências de dois tipos: terapêuticas e especulativas.

  • As , são lícitas e louváveis desde que não sejam em público. Os que a praticam, visam ao restabelecimento da saúde do paciente... não há outro objetivo. Aliás, toda ação terapêutica, em última análise, não deixa de ser uma experiência. Tomemos como exemplo a medicina como arte de tratar, não de curar. Há nela doentes e não doenças. Assim, a ministração de remédios ou a realização das técnicas cirúrgicas, atendendo às condições personalíssimas dos pacientes, não deixam de ser experiências. Cada doente é especial, um indivíduo. Cada recurso medicamentoso é uma verdadeira experiência. O resultado, via de regra compensa e beneficia. Pode, porém, ser um fracasso, falhando o mesmo remédio para a mesma doença, em determinado indivíduo, sendo até nocivo. Haverá deslize legal ou moral? Não. O propósito de quem o emprega não é uma experiência genérica, de pura especulação, por vezes em dano do que a sofre. É sim, o interesse do próprio paciente, propósito isento de qualquer censura, da mais suave crítica.

Veja-se o que diz o Código de Ética dos Conselhos de Medicina, que é Lei em virtude da Resolução CFM n.º 1246/88 de 08/01/1988 e de acordo com a competência que lhes confere a Lei n.º 3268, de 30/09/1957, regulamentada pelo Decreto n.º 44.045 de 19 de julho de 1958, em parte do art.27:

“Art. 27 – Desrespeitar a integridade física e mental do paciente ou utilizar-se de meio que possa alterar sua personalidade ou sua consciência em investigação policial ou de qualquer outra natureza”.

O doente é tratado diante dos alunos. Provas e experiências se procedem em seu proveito, o que será em proveito da ciência e dos alunos. Mas, inicialmente do paciente que deve ser o centro de todas as cogitações da arte ainda e sobretudo nos hospitais das Faculdades de Medicina.

Nesse caminho, bem aferido com a lei e a moral – lei penal, lei civil, moral religiosa, moral natural e moral médica – se medem as demonstrações referentes à hipnose. Ajustam-se? São lícitas. Não se ajustam? São ilícitas e ilegais. Tão fácil. Tão claro. Tristemente claro e fácil, talvez.

b) nas experiências especulativas, então, o aspecto é outro. O paciente é cobaia. Nele se vai demonstrar alguma coisa que se visa mostrar, prejudique-o ou não, isso é secundário, não se cogita do seu proveito. Por vezes pode ser uma demonstração de interesse coletivo e social. Talvez até mesmo de ordem médica, psicológica, quiçá odontológica...

Certas técnicas de hipnose; a sequência de etapas hipnóticas; peculiaridades e vantagens de um sinal hipnógeno; aspectos curiosos de uma alucinação positiva ou negativa; a intensidade a que podem chegar certas alucinações; as possibilidades de uma regressão de idade sem trauma, passando por acontecimentos agradáveis da vida, de contraste flagrante nas reações emocionais do paciente; a realidade da mudança de personalidade ou identidade.

Interesse didático, como se vê, interesse saudável, interesse científico, interesse psicológico, interesse social, interesse de entretenimento, interesse de palco, que atraem as experiências especulativas. XXXXXXXXXXXX

Neisser foi condenado pelo Tribunal de Breslau a 2 meses de prisão e a 1000 marcos de multa, uma vez que para demonstrar a nocividade do gonococo, inoculou-o em um agonizante que, escapando de seu mal, ficou com blenorragia nos tempos em que não se conheciam os antibióticos.

Em São Paulo, por ocasião da epidemia de febre amarela realizaram-se no Hospital de Isolamento, hoje Emílio Ribas, experiências humanas, secundando as de Havana, para demonstrar que o transmissor do mal amarílico era o mosquito. Os resultados foram probantes. A tese ficou incontestável. Felizmente sem óbitos, a agravarem a infração ética de seus responsáveis, “gros bonnets” da medicina daqueles tempos.

Mais tarde, no Rio, Oswaldo Cruz, saneador da Capital Federal, repetiu as experiências, para secundar as de Havana e de São Paulo, já elucidativas. Os resultados foram mais que convincentes. A febre amarela verdadeira, natural, segura, legítima, se transmitiu. E mais de um cobaio humano faleceu em homenagem e holocausto à ciência...estaria certo? Não. Nunca!

Diante da lei penal vigente, o preceito punitivo seria o do artigo 132:

“Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente: Pena: detenção de três meses a um ano, se o fato não constitui crime mais grave”.

Não se invoque o estado de necessidade, que não se concretiza. E o consentimento informado não legitima a ação danosa. Ninguém pode consentir no seu próprio assassinato.

Pois se as práticas hipnóticas são experiências in anima nobili e, tantas vezes, são puramente especulativas, devem, pois, ser proibidas, porque criminosas e contrárias à ética profissional.

Se os médicos a praticarem, ficarão estes nas malhas do art. 105 do Código de Ética Médica vigente:

Capítulo XII – Pesquisa Médica: É vedado ao médico:

“Art. 105 – Realizar pesquisa médica em sujeitos que sejam diretas ou indiretamente dependentes ou subordinados ao pesquisador”

Note-se que o preceito nem se refere a qualquer dano possível a que fique exposta a vítima como exige o Código Penal. Para os médicos, a proibição é absoluta.

Mas dir-se-á, elas são inócuas. Se os médicos não as podem praticar, policiados pelos seus Conselhos de Medicina, estes não atingem os estranhos à medicina. Não sendo nocivas, pratiquem-se.

3) E aí surge um outro problema conexo a esse, sobre a nocividade possível da hipnose e, pois, a responsabilidade penal, civil e moral dos que a realizam, profissionais de outros terrenos e leigos. E também profissionais da saúde, no âmbito da lei.

Não enumerarei os inconvenientes e malefícios da hipnose.

Quando mais não fosse, só a subordinação do paciente ao hipnotizador, com toda a sorte de reações psicofísicas e morais daí possíveis, bastaria. Mas o espectador, trazido ao palco e submetido a demonstrações espúrias não estaria se submetendo à execração pública com mudanças de percepção que seriam vilipendio à sua personalidade?

Lembre-se apenas o sinal hipnógeno. Figurai o hipnotizador que não tenha realizado corretamente o seu apagamento no paciente do que lhe foi sugerido na hipnose. Ficará este preso, por longo tempo, ao seu hipnotizador. Desonesto este, poderá servir-se da superioridade que tem para deflagrar em qualquer lugar e em qualquer tempo o transe hipnótico, apenas por este sinal, sem a vontade e até contra a vontade do paciente.

Exibe-lhe o objeto do condicionamento, diz-lhe a palavra adequada, faz o gesto ou toma a atitude anteriormente sugerida e as consequências no indivíduo sensibilizado serão seguras e imediatas.

Os fenômenos de neuroses experimentais nos pacientes na resistência a certas ordens ou na indução de alucinações muito emotivas são evidentes. Não serão inconvenientes, em determinadas condições, levados à conta de males do hipnotismo?

E que seria da acentuação da sugestibilidade dos cobaios humanos, cada vez menos resistentes, cada vez mais facilmente hipnotizáveis?

Almeida Júnior (“Lições de Medicina Legal – 4.ª Ed.- pag. 430”) estudando os perigos do hipnotismo, assim se manifesta: “Do ponto de vista da periculosidade médica, pode-se comparar o hipnotismo aos anestésicos, à insulina, às sulfas: seus inconvenientes, praticamente nulos quando a medicina esteja em mãos de um profissional consciencioso e experiente, tornam-se reais na hipótese contrária. Sabe-se que as hipnoses reiteradas acentuam a sugestibilidade do paciente e podem fazer dele um abúlico".

Assim, são sempre oportunas as sábias palavras de Grasset (“L’Hipnotisme et la Sugestion”, Paris, 1916, pag 354) “ïl me semble qu’on peut dire quíl y a unanimité pour reconnaitre les inconvenients (sinon les dangers) de l’hipnotisme extra-medical”.

A ciência é insaciável e voraz. Suas presas, ela as devora de uma maneira gulosa e constante.

Condena-se muitas vezes o uso de animais em laboratório, verdadeiros cobaias de experiências que visam melhorar ou corrigir as doenças do homem. São os participantes passivos desse holocausto “in anima vili” em favor da “anima nobili”.

E o homem? O homo sapiens, vítima desconhecida e anônima da ciência insatisfeita?

Na hipnose, quantos préstimos à custa da saúde física e mental?

4) ainda no seu aspecto legal e moral, a prática da hipnose sugere problemas relacionados ao segredo profissional. Seja médico ou não quem a aplica, está ele desempenhando função, ministério, ofício ou profissão. A ele se entrega o paciente, obedecendo suas ordens a uma sugestão que o leva a fazer quase tudo o que lhe seja determinado. E em público. No palco. Na televisão. Situações ridículas podem ocorrer com esse domínio do paciente. Seria está uma atitude de desrespeito? Não se estaria expondo um ser humano à degradação em público? Estará certo? Não caberia aqui o preceito referente à violação do segredo profissional de que cogita o artigo 154 do Código Penal?

Na conceituação do crime de revelação do segredo concorrem vários elementos claramente expressos, como sobretudo, a justa causa e a possibilidade de dano a outrem.

“Revelar alguém, sem justa causa, segredo de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem: Pena...etc.

Tais exibições serão razoáveis e justas, quando feitas por diletantismo? E não serão danosas a quem as sofre e a quem as vê? Este problema é da maior gravidade. E quando profissionais da saúde as praticam, com tais propósitos sensacionalistas, então a falta não tem qualificativos, pela gravidade. Dir-se-á: “ora, o segredo profissional! ”.

5) há ainda outros aspectos na esfera legal. Como a possibilidade de serem agentes de crimes os hipnotizados, pela sugestão recebida para isso, ou passíveis de atos delituosos. Abordemos ainda que rapidamente esses dois aspectos, que podem ensejar grandes debates.

a) Agentes de crimes: divergem os autores quanto à indução hipnótica da criminalidade. É ou não é possível. Nos laboratórios, com simulacros de cenas delituosas ou com certas expressões realistas, mas que o hipnotizador contenha no momento oportuno, tudo é possível. O hipnotizado subministra veneno à vítima; dá-lhe um suposto tiro; vibra-lhe uma facada com arma de papel, pega com as mãos venenosa cobra de papel, sob o efeito de sugestão, intra ou pós-hipnótica. Há quem creia que a sugestão possa ir mais longe, chegando ao terreno da realidade delituosa. E até com exemplos. A tese é sugestiva para a criminologia.

O que os estudiosos alertam, é que a hipnose agrava tendências já existentes. A esse respeito, considerando não só as presas do hipnotismo, mas também as de outras formas de sugestão.

Benigno Di Tullio, no seu “Trattato di Antropologia Criminale” (Roma,1945,pág.262) diz: “Si tratta infatti di indivídui che, nella grandissima maggioranza, sono anch’essi degli anormali, spesso com tendenze criminose più o meno spiccate, che si realizzano tanto più favorevoli sono le circonstanze ambientali e le condizioni psichiche dei suggestionati”

E insistindo, diz este conhecido mestre italiano: “...I soggetti che deliquono in istato di suggestione presentano quasi sempre una certa predisposizione delittuosa, che, como abbiamo ricordato, trova in tale stato emozionale suggestivo lóccasione favoravole per ingrandirsi, sviluparsi ed esteriorizzarsi”.

Waldemar César da Silveira, no seu alentado e premiado “Tratado da Responsabilidade Criminal” (II, pág.732), cita Benigno Di Tullio, com o qual concorda.

E também, Napoleão Teixeira, na sua “Psicologia Forense Médico-Legal” assim pensa, quando escreve: “Só irá ao crime se, nele já houver tendência nesse sentido, que a hipnose nada mais faz que ativar, propiciando a execução”.

Logo, concluo eu, a possibilidade aí está nos predispostos. E como se entregar qualquer pessoa a sugestões destas, se não sabemos de suas tendências e predisposições? Bastam já, para avivar essas tendências e predisposições, os estímulos cotidianos e constantes da vida social tragicamente conturbada por crimes de toda sorte, que a publicidade sensacionalista da mídia insana torna cada vez mais conhecidos e que é avidamente saboreada por aqueles que têm prazer de assistir programas ou jornais que relatam as mazelas sociais.

E bastam, também, para impelir ao crime os predispostos, os fatores pessoais ou biológicos, que tumultuam em todos nós, mal contidos apenas pela polícia, pela justiça, pelos códigos.

Por que mais como um fator de impulso criminógeno pode vir a hipnose ser livremente praticada? Pode vir a ser, admito a restrição. Seria o mesmo que impelir para a destruição, quem, à beira do abismo, o contempla, já atraído por ele.

E a respeito do crime realizado por agentes hipnotizados, outro problema surge. De quem a responsabilidade penal? Deles ou de seus dominadores psíquicos? Dividem-se as opiniões.

A solução me parece clara e cristalina: de mandantes e mandatários. Se o estado hipnótico foi atingido sem contar com a aceitação do paciente, apanhado pelo signo-sinal já anteriormente condicionado, ou contra a vontade, ou durante o sono, ou após narcose parcial, e assim fosse feita a sugestão ao crime, por certo o problema cairia no âmbito da irresponsabilidade absoluta do artigo 22, quanto ao paciente.

Diz o Código Penal: “É isento de pena o agente que, por doença mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era ao tempo da ação ou omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter criminoso do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”. Que se trata, na vigência de ação sugestiva, de verdadeira doença mental, no sentido amplo da expressão, não há dúvida.

Mas coparticipe, os indivíduos hipnotizados, sabendo dos inconvenientes deste estado, e realizando atos delituosos na vigência desse seu transtorno mental, parece-me, que se impõe sua responsabilidade,

Embora não se possa falar em matéria penal, em analogia ou paridade, pois o artigo 1.º do Código Penal assegura não haver crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal, por que não estudar o tema à luz dos preceitos que regem a embriaguez alcoólica ou de outras substâncias de efeitos análogos?

Não teríamos aí clara a teoria do “actio libera in causa”, semelhante à aplicada na lei brasileira à responsabilidade do indivíduo que se embriaga voluntária ou culposamente? É pacífica hoje a solução, à luz do preceito. Embora não seja preordenada para delinqüir a embriaguez, responde o paciente dela por todas as consequências durante a vigência da incapacidade de entender e de vontade, se vier a delinquir. É que sua liberdade de consciência ao beber era livre. Assim, tudo o que se seguir na vigência da embriaguez entra em sua conta penal. O semelhante para a hipnose seria superponível. Este é um assunto interessante para debates ou teses. Tente-se dirigir um veículo embriagado, na vigência da Lei Seca...

Como quer que seja, é o hipnotismo, em todos os seus setores, uma interrogação ainda. Por acaso, devemos fechar os olhos e nos atirarmos no emaranharado dessa verdadeira “selva selvagem”? Seria imprudência. Merece, pois estudando com afinco no aspecto médico, psicológico, odontológico e legal, mas sempre sob o pálio augusto da ética, geral, religiosa, da saúde, seja qual for, que sempre será uma só.

B), mas, se em relação aos agentes de crimes reais existem restrições na admissibilidade de ensejá-los ou determiná-los, no hipnotismo, não pode haver mais a mínima dúvida sobre a passividade para sofrerem atos delituosos os seus pacientes, ao menos no âmbito da sexualidade.

Diz-se que a mulher realmente honesta nunca se deixará violar em transe hipnótico. Não será assim, entretanto, havendo predisposição anterior a entregar-se, ou malfadada sugestão que a envolva, com sentido dúbio ou que a ludibrie.

Mas, pergunto eu agora: sendo a alma humana uma esfinge insondável, tantas vezes, com seus problemas insolúveis, será possível distinguir previamente se há ou não propensões e tendências a práticas reprováveis, sem suas tentativas reveladoras? Não enganam as aparências? É ingênua, por certo, a afirmação dos que se satisfazem com essa restrição, porque pode acontecer que a sugestão apanhe exatamente alguém que tenha suas antenas bem sintonizadas para o erotismo, embora encobertas por uma cortina de fumaça de conveniências e de censura. E na prática hipnótica em que se obtém a regressão de idade, não sei até onde pode ir à resistência das pessoas honestas.

. São grandes as possibilidades da hipnose. Maiores do que muitos pensam.

Aliás, há crimes de estupro registrados na literatura, em que foi o hipnotismo o meio. Citam-se os casos estudados por Pitres, Ladame, Auban, Roux, Brouardel e, entre nós, Afrânio Peixoto. Após hipnose ou sugestão semelhante.

O hipnotismo se apresenta como fator de violência presumida, mesmo que seja maior de idade a vítima.

É o preceito geral do artigo 224, letra c do Código Penal que vem à baila: “Presume-se a violência se a vítima...não pode por qualquer outra causa, oferecer resistência”.

  • Um último aspecto legal, desejo apresentar: É o que se faz com as testemunhas hipnotizadas, as declarações testamentárias sob hipnose e atos semelhantes.

Almeida Júnior cita um caso periciado por ele, de um caso em que se cogitava de um casamento sob coação hipnótica. Sua argumentação, convincente, se opôs à pretendida alegação evitando-se a anulação do casamento.

Por certo, simulações ocorrem, e à perícia compete elucidar tais casos. E como fazer para admitir a hipnotização? Bastará apenas verificar a sensibilidade à sugestão?

Alcântara Machado diz que “hipnotizando”. Seria razoável? Eu teria escrúpulos em minha timidez profissional. Como os tenho para examinar sob narcose pacientes que se oponham a isso, como os tenho para defender o uso de outras práticas físicas, químicas ou psíquicas que visem perverter, modificar ou dominar a personalidade.

Acho que a Justiça não tem o direito de violentar a consciência de ninguém para esclarecer ou não o que lhe diga respeito.

O condicionamento mental pelo hipnotismo, pelo álcool (in vino veritas), por outras substâncias químicas, pela psicanálise, pela tortura, etc., é forma de violência, portanto, prática ilícita, imoral e ilegal.

6) Poderia apresentar-vos mais expressivamente os aspectos tipicamente morais das práticas hipnóticas, por médicos, cirurgiões dentistas, psicólogos, leigos, etc., com finalidades especulativas, diletantes e outras, fora o âmbito da diagnose e da terapêutica ou mesmo nele. O que vos disse no terreno legal poderia ser o meu roteiro ético. Não insistirei. Apenas direi que entendo serem ilícitas as exibições hipnóticas no palco e nos salões sociais. Seria necessário que se regrasse o assunto por leis expressas, a exemplo do que se fez no estrangeiro, como na Inglaterra.

E ainda, se meditasse nas palavras proferidas pelo Papa Pio XII, no discurso já citado. Escutai-as. Depois de admitir o hipnotismo praticado por profissionais adequados, com as precauções que a ciência e a moral preceituam, diz o Papa:

“Mas não queremos que se estenda pura e simplesmente à hipnose em geral, o que dizemos da hipnose ao serviço do médico. Com efeito, esta, como objeto de investigação científica, não pode ser estudada por quem quer, mas só por um sábio, sério e dentro dos limites morais, que valem para toda a atividade científica. Não é este o caso de qualquer círculo de leigos ou eclesiásticos que a pratiquem como coisa interessante, a título de pura experiência ou mesmo por simples passatempo”.

É um absurdo entregar-se a personalidade humana, no que tem de mais sagrado, o seu psiquismo, imagem e semelhança do próprio Criador, à exploração divertida, sem escrúpulos, sem entranhas, do teatro. Não posso compreender isso. Revolta-me a conduta dos que o fazem e a passividade complacente, conivente, coautora, co-ré dos que a toleram, podendo e devendo evitá-la.

Como se observa, este é um aspecto bastante atual da hipnose. Encontramo-nos hoje frente aos praticantes da hipnose leiga em situação semelhante à dos Cirurgiões Dentistas que, formados em Faculdade, viam-se até a década de 60, enfrentando os Prático-Licenciados que, felizmente, foram erradicados.

E aqui se percebe a grande dificuldade da Hipnose em diagnosticar e tratar os que necessitam de suas técnicas de aplicação.

O diagnóstico é difícil e depende de uma série de fatores imponderáveis que só os competentemente preparados possuem. Não pode ser realizada para satisfazer os pedidos do paciente e nem para satisfazer o ego do hipnotizador.

Por outro lado, além de depender das características próprias do profissional e do paciente, apesar de possuirmos corpos semelhantes que podem levar através dos sinais e sintomas, dos exames e das análises sofisticadas ao diagnóstico que possibilite o tratamento adequado, as formas de agir e de pensar e as mentes são extremamente desiguais e variam de indivíduo para indivíduo.

O homem é um ser uno, integrado e perfeito. Por isso mesmo não há dois iguais na face da Terra. Não é só a impressão digital que nos individualiza...

Afastados os comprometimentos físicos, exames nada detectam, mas o paciente pode ainda, apresentar transtornos comportamentais que necessitam de correção. E a terapia, a medicação e a orientação necessitam ser precisas para não os agravar.

O profissional, precisa ser perito no trato com o paciente e utilizar técnica adequada.

Necessita de segurança na detecção, análise criteriosa dos sintomas, colhidos através de um bom “apport”, descer até o âmago do sofrimento e trazer o doente de volta à normalidade.

Para isso, é preciso conhecimento para sobrepor personalidade contra personalidade, justeza para ajudar sem julgar, aconselhar e conduzir para que a recuperação se complete, com o mínimo de percalços.

Esta é, em linhas gerais, o que chamamos de árdua luta da ciência da hipnose que engloba o conceito maior da grandiosa arte da psicoterapia. Nenhuma outra ciência é prova tão cabal de que na face da terra, não existem doenças, mas doentes. E todos precisam do nosso apoio, do nosso carinho, de nossa atenção e sobretudo, do nosso respeito.

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